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Lei Eusébio de Queirós (1850): 175 Anos de uma Lei e as Vozes Silenciadas que a Ficção Revela

Como a Lei de 4 de setembro de 1850, ao proibir o tráfico transatlântico, impulsionou o comércio interno de escravizados, e como Maria Firmina dos Reis, em 'A Escrava', deu voz à Joana e à luta por liberdade e dignidade.

Neste 4 de setembro, marcamos uma data de grande relevância histórica: a promulgação da Lei Eusébio de Queirós (Lei nº 581) em 1850. Em 2025, esta lei completará 175 anos. Elaborada pelo ministro da Justiça, Eusébio de Queirós, durante o Segundo Reinado, seu principal objetivo era proibir o tráfico de escravos africanos para o Brasil. Esta medida foi uma resposta direta à forte pressão da Inglaterra, que, por meio da Lei Bill Aberdeen (1845), autorizava a marinha britânica a apreender navios negreiros no Atlântico.

No entanto, a história revela que a intenção da lei nem sempre correspondeu à sua execução ou às suas consequências não intencionais. A Lei Eusébio de Queirós foi, nos primeiros anos, "abertamente ignorada", e o tráfico negreiro continuou ativo, tanto que o próprio Eusébio de Queirós, como chefe de polícia, era conhecido por negligenciar os navios negreiros que desembarcavam no Rio de Janeiro. A efetiva repressão ao tráfico transatlântico só se intensificou após 1854, com a Lei Nabuco de Araújo.

Uma das mais cruéis consequências dessa proibição foi a intensificação do tráfico interprovincial de pessoas escravizadas dentro do Brasil. Esta prática se tornou a "solução encontrada para o problema da mão de obra" no sudeste cafeeiro, em detrimento das lavouras nordestinas em crise. Além disso, apenas duas semanas após a Lei Eusébio de Queirós, foi aprovada a Lei de Terras (1850), que garantia a propriedade apenas a quem pudesse comprá-la e criava obstáculos para que imigrantes pudessem obter terras, forçando-os a trabalhar para os grandes fazendeiros. Essas ações mostram como a elite escravocrata e latifundiária agia para proteger seus interesses.

É neste cenário complexo que surge a voz potente de Maria Firmina dos Reis (1825-1917), uma professora e escritora maranhense. Considerada a primeira romancista negra da América Latina, Maria Firmina foi uma ferrenha defensora da abolição da escravidão. Sua obra mais conhecida, Úrsula (1859), é tida como o primeiro romance abolicionista de autoria feminina da língua portuguesa. Além de sua produção literária, ela demonstrou seu compromisso social ao fundar, em 1880, a primeira escola mista e gratuita do Maranhão, um ato ousado e pioneiro para a época.

Sua contribuição mais impactante para a discussão das consequências da Lei Eusébio de Queirós reside no conto "A Escrava", publicado em 1887, no auge da Campanha Abolicionista. Neste texto, Maria Firmina dos Reis adota uma perspectiva inovadora e quebra o estigma vitimista do escravizado, dando voz diretamente ao sujeito escravizado. A narrativa começa com uma discussão sobre o "elemento servil" em um salão da sociedade, onde uma senhora de sentimentos sinceramente abolicionistas decide narrar a história de Joana.

Joana, a protagonista, é o retrato da dura realidade oculta pelas leis. Ela é uma escrava liberta aos cinco anos de idade e, após dois anos de vivência como liberta, foi reescravizada, devido a uma "carta de liberdade" que era uma fraude. Sua dor culmina na venda de seus filhos gêmeos, Carlos e Urbano, de apenas oito anos, no tráfico interprovincial para o Rio de Janeiro, o que a leva à loucura e à beira da morte. Mesmo fraca, Joana insiste em narrar sua própria história: "não. Eu mesma. Ainda posso falar.", tornando-se a protagonista e porta-voz de suas próprias memórias e sofrimentos.

A obra de Maria Firmina dos Reis é fundamental para humanizar a história e expor as complexidades e injustiças do sistema escravocrata de uma forma que os registros oficiais muitas vezes não conseguem.

Refletir sobre a Lei Eusébio de Queirós e suas consequências, à luz de narrativas como a de Joana, é um convite atemporal à reflexão sobre a verdadeira abolição e a importância de dar voz a todas as histórias para compreender as cicatrizes profundas que ainda impactam a sociedade.

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